Contribuição das Reservas Particulares do Patrimônio Natural para a conservação da natureza e os principais entraves para a sua difusão entre os proprietários rurais

As Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) são Unidades de conservação de Uso Sustentável, sob posse de proprietários particulares, com o objetivo principal de proteger parcial ou integralmente áreas com relevante interesse ambiental. Segundo o Cadastro Nacional de RPPN, o Brasil possui ao longo de seu território 1101 RPPNs, que totalizam 703.740,75 hectares e de acordo com a Fundação SOS Mata Atlântica, em 2012 a Mata Atlântica foi o bioma brasileiro com o maior número de Reservas Particulares, totalizando 730 Reservas. 
A alta riqueza de espécies e o significativo grau de endemismo fazem da Mata Atlântica, um bioma fundamental para a manutenção da biodiversidade no continente americano, contudo, a floresta que antes se estendia por aproximadamente 1.300.000 km2, atualmente apresenta 22% de vegetação nativa, sendo que apenas 7% estão bem conservados em fragmentos acima de 100 hectares. Sendo assim, as RPPNs podem ser uma importante ferramenta para a conservação da Mata Atlântica, visto que, boa parte dos fragmentos que restam nesse bioma estão inseridos em propriedades particulares, que podem servir como refúgio para muitas espécies, auxiliar na conectividade da vegetação, permitir fluxo entre as biotas e a preservação da diversidade genética das espécies vegetais e faunísticas.
Nesse sentido, estudantes da Universidade Federal de São Carlos, Campus Sorocaba, desenvolveram um trabalho junto à disciplina de “Conservação in-situ: Unidades de conservação de uso sustentável”, cujo objetivo foi verificar a contribuição das RPPNs para a conservação da natureza e analisar os principais aspectos que dificultam que essa categoria de unidade de conservação se difunda entre os proprietários rurais, além dos entraves encontrados na gestão das Reservas Particulares. Desta forma, foi realizado um levantamento bibliográfico e um questionário com doze proprietários de RPPNs inseridas no bioma Mata Atlântica.
Os resultados desse trabalho demonstraram, que das reservas amostradas, a maioria possui áreas com até 100 hectares e apesar de constituírem tamanhos pequenos e possuírem áreas anexas ocupadas por vegetação degradada, sistemas agroflorestais e pastagens, estas na maioria das vezes são capazes de conservar de 90 a 100% da cobertura vegetal nativa. Desta forma, ainda que as RPPNs apresentem áreas relativamente pequenas, protegem habitats chave para numerosas espécies, como podemos observar no estudo realizado por Santos & Costa (2008), na RPPN El Nagual, localizada na cidade do Rio de Janeiro, onde foi realizado um levantamento de briófitas em uma área de floresta submontana, sendo registradas quatro espécies listadas pela IUCN como vulneráveis e cinco novas famílias nunca observadas no Estado do Rio de Janeiro. Outros estudos apontam ainda que muitas RPPNs podem ser importantes para promover a conectividade com outros fragmentos florestais do entorno, como por exemplo, a Reserva Natural Parque do Zizo que juntamente com o Parque Estadual Carlos Botelho conserva mais de 37.644,36 hectares de Mata Atlântica no Estado de São Paulo, contribui para o fluxo de organismos na paisagem e abriga uma grande diversidade de mamíferos (Pianca, 2004). 

Reserva Natural Parque do Zizo

No que se refere às dificuldades relacionadas à criação das RPPNs, o estudo realizado pelos alunos da UFSCar Sorocaba, demonstrou que dos doze proprietários de RPPNs entrevistados, 75% acreditam que a legislação vigente dificulta o processo de criação das RPPNs e metade dos entrevistados relatou que a lentidão na analise do processo é o principal obstáculo para a implementação de RPPNs, além dos elevados custos e a burocracia do órgão responsável pela analise do processo de criação das reservas.
Quanto à gestão, metade dos proprietários de RPPNs alegou ter alguma dificuldade no processo de fiscalização da área e na contratação de funcionários capacitados na segurança de áreas extensas. Além disso, a caça é outro conflito enfrentado por proprietários de RPPNs, sendo relatado pela maioria dos entrevistados como a principal pressão impactante. O controle da caça ilegal é uns dos principais problemas enfrentados pelas Unidades de Conservação brasileiras sob poder público, sendo que, os órgãos governamentais não dispõem de recursos técnicos e financeiros para fiscalizar o cumprimento da legislação, desta forma, apesar da fiscalização da RPPN ser de responsabilidade do proprietário, o art. 25 do decreto nº 5.746, de 5 de abril de 2006, dispõe que cabe ao âmbito federal, apoiar o proprietário nas ações de fiscalização, proteção e repressão aos crimes ambientais, nesse sentido, as RPPNs também acabam sendo afetadas pelas falhas da política de fiscalização ambiental do governo brasileiro.
Apesar de todos os entraves, 91,67% dos proprietários rurais entrevistados estão satisfeitos com suas RPPNs, isso nos permite inferir que a dedicação de pessoas que acreditam e trabalham pela conservação da biodiversidade, independente dos obstáculos, é fundamental para a continuidade da conservação in-situ no Brasil, porém para que haja eficiência na criação e gestão das RPPNs é inerente uma mudança na postura dos órgãos governamentais, a fim de promover apoio aos gestores, treinamentos e facilitação nos andamentos dos processos burocráticos.

“O que eu faço, é uma gota no meio de um oceano. Mas sem ela, o oceano será menor.”
Madre Teresa de Calcuta.

Por: Andreliza R. Terciotti, Emanuelle Spironello, Gilberto M. Yabiku e Mariana P. dos Santos. 

Agradecimentos

Agradecemos as RPPNs Ave Lavrinha (Bocaina de Minas – MG), Berço de Furnas e Berço de Furnas I (Aiuruoca – MG), Duas Cachoeiras (Amparo – SP), Estela (Paracambi – RJ), Florestas das Águas Perenes (Brotas – SP), Floresta do Pengá (Aiuruoca – MG), Foz do Rio Aguapeí (Municípios de Castilho, Paulicéia e São João do Pau d´Alho – SP), Mahayana (Mogi das Cruzes – SP), Reserva Ecológica Amadeu Botelho (Jahu – SP), Reserva El Nagual (Magé – RJ), Reserva Natural Parque do Zizo (Municípios de São Miguel Arcanjo e Tapiraí – SP) e Toca da Paca (Guatapará – SP), que colaboraram na resolução do questionário que fundamentou o trabalho didático sugerido pela disciplina de “Conservação in-situ: Unidades de conservação de uso sustentável” da Universidade Federal de São Carlos, Campus Sorocaba e desenvolvido pelos alunos de graduação em Ciências Biológicas Andreliza Terciotti, Emanuelle Spironello, Gilberto Yabiku e Mariana Popst dos Santos.

Referências bibliográficas

Pianca, C. C. 2004. A caça e seus efeitos sobre a ocorrência de mamíferos de médio e grande porte em áreas preservadas de Mata Atlântica na Serra de Paranapiacaba (SP). 2004. 89 f. Tese (Mestrado em Ecologia de Agroecossistemas) – Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo, Piracicaba.

Santos, N. D. dos. & Costa, D. P. da. 2008. A importância de Reservas Particulares do Patrimônio Natural para a conservação da brioflora da Mata Atlântica: um estudo em El Nagual, Magé, RJ, Brasil. Acta Botanica Brasilica, v. 22, n. 2, p. 359-372