O enigma do posicionamento filogenético das Testudines

As tartarugas, cágados e jabutis são animais muito conhecidos por suas características diferenciadas, como o casco, e sua ampla ocorrência em diferentes ambientes. Mas olhando para as tartarugas, o que você considera mais provável: que elas sejam parentes mais próximas das cobras e lagartos ou dos crocodilos e aves? Essa é uma discussão que por muito tempo tem intrigado os pesquisadores, e permanece em debate. A ordem em que as tartarugas estão incluídas é denominada de Testudines, e uma outra peculiaridade da ordem, além do casco, é o crânio diferenciado que esses animais apresentam.

O problema é que por estes caracteres serem tão únicos e derivados é difícil fazer comparações e estabelecer parentesco das tartarugas com os outros animais, ou seja, estabelecer de onde o “ramo” das tartarugas despontou na “árvore da vida”.





Figura 1. Representação de crânios mostrando 
as classificações segundo os tipos de 
fenestras temporais. As setas vermelhas 
indicam as fenestrações.

Os crânios são utilizados para análise dos vertebrados comparando-se as homologias, que são semelhanças devido à evolução a partir de um mesmo ancestral. São três os tipos de crânio (Figura 1), diferenciados pela quantidade de aberturas (fenestras) na ossificação, sendo eles: Crânio Anapsida: nesse tipo de crânio não há fenestras; é considerado o tipo mais primitivo. Crânio Sinapsida: em que há uma fenestra inferior, como no crânio de mamíferos. Crânio Diapsida: são duas fenestras presentes, uma inferior e uma superior, como ocorre nas cobras, lagartos, crocodilos e aves. Já a ordem Testudines apresenta um padrão totalmente distinto, em que há reentrâncias laterais em cada lado do crânio, sendo tal fenestra superior (Figura 2).

Figura 2. Representação de crânio de tartaruga, evidenciando a reentrância lateral.

Surge então a questão: de qual dos outros crânios teria derivado o padrão encontrado nas tartarugas? Taxonomistas, paleontólogos e, mais recentemente, geneticistas atualmente discutem as cinco hipóteses para o parentesco das Testudines em relação aos outros grupos de Amniota (Figura 3), decorrentes de mais de 150 anos de debate entre os biólogos.

Figura 3. Representação do ramo dos Tetrapoda que mostra as hipóteses alternativas de parentesco entre Testudines e os outros grupos de Amniota. (1) Testudines como grupo basal, tendo crânio Anapsida (sem fenestras), (2) Testudines como os primeiros répteis, tendo crânio Anapsida, (3) Testudines como grupo irmão de cobras e lagartos, tendo crânio Diapsida (duas fenestras), (4) Testudines como grupo irmão de crocodilianos e aves, tendo crânio Diapsida e (5) Testudines como grupo irmão de crocodilianos, tendo crânio Diapsida. 

Cientistas do século XIX acreditavam que as Testudines apresentavam um crânio Anapsida, considerando que a reentrância no crânio delas não era uma fenestra. No início do século XX o crânio delas foi considerado como possuindo uma fenestra temporal de cada lado, porém com a migração desta para a parte superior, sendo assim um crânio Sinapsida diferenciado. A partir da inclusão de fósseis no final do século XX levou a crer que na verdade as tartarugas possuem crânio derivado de Diapsida, onde as duas fenestras teriam se fundido em uma só, e que seriam parentes próximas dos lagartos e serpentes (Lepidosauria). No entanto os estudos baseados somente em análise morfológica são os que enfrentam as limitações descritas anteriormente, decorrentes da dificuldade de fazer comparações entre a estrutura do esqueleto das tartarugas viventes com o dos demais Amniota.

Ainda no século XX, surgiram metodologias que utilizam análises moleculares (analisam o DNA)  e também apontam as Testudines como grupo-irmão de Archosauria, em que se incluem os crocodilianos e aves, ou até mesmo restringindo o parestesco das tartarugas aos crocodilianos. A inserção do debate da origem das tartarugas incentivou cada vez mais estudos com base genética, apresentando diversos métodos (genes nucleares, mitocondriais, microRNA, ou até mesmo em escala genômica) que acrescentaram muito a fim de desvendar esse enigma, principalmente com a eliminação das limitações de análises puramente morfológicas. A partir do século XXI, com a integração de estudos morfológicos e moleculares houve maior corroboração das hipóteses de Testudines agrupadas a Lepidosauria ou Archosauria.

Não há ainda uma conclusão para esse enigma, as pesquisas seguem acontecendo com o objetivo de corroborar alguma hipótese e agregar dados de diferentes procedências na tentativa de chegar à uma resolução. Porém, como pode ser observado no panorama atual onde duas hipóteses são as mais consideradas, a união de diferentes metodologias vem sendo uma resposta para que se possa embasar com mais ênfase a origem das tartarugas.

Por Antonio Neto, Bianca de Medeiros, Mariana Dias e Monique Romeiro

1 comentários:

Anônimo disse...

Olá, boa noite! Vocês poderiam me dizer de que artigo retiraram essa informação: "No início do século XX o crânio delas foi considerado como possuindo uma fenestra temporal de cada lado, porém com a migração desta para a parte superior, sendo assim um crânio Sinapsida diferenciado."? Se puderem responder o mais rápido possível agradeço, obrigada pela atenção.

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